JUNHO
FESTAS DA COLHEITA - ENTRE FOGO E LENDAS DA TRADIÇÃO
Foto:
Regina Clara de Aguiar
As
noites de junho são marcadas por celebrações em homenagem a Santo Antônio, São João e São Pedro. Celebram a
fartura e a fertilidade da terra, e contam com raízes em tradições pagãs
europeias muito antigas, além de influencias indígenas e africanas. Também
conhecidas como festas da colheita e, realizadas em torno de uma fogueira, contam
com comidas típicas e danças como o forró e a quadrilha. Segundo o antropólogo
Darcy Ribeiro, no Brasil existe uma diversidade de manifestações culturais e
particularidades regionais fortes – “Temos vários Brasis... No Nordeste, a
figura de São João é muito forte e central nas festas do ciclo junino”.
A
celebração junina sempre remete a uma memória afetiva e coletiva de festas da
infância, onde fogueiras de lenha crepitavam na rua. O balão subia ao céu e se
ouvia o ribombar dos fogos de artificio anunciando que os festejos iam começar.
Meu pai, logo cedo, na véspera de cada santo junino, ornamentava o terreiro com
palhas de coqueiro e bananeira, além das bandeirolas coloridas. Porém, antes de
colocar os troncos para o fogo, cavava um buraco, onde jogava uma grande quantidade
de batata doce para assar, sem tirar as cascas.
A
fogueira é um importante símbolo no calendário junino. Na origem dessas festas
quando eram consideradas pagãs, representava o livramento dos maus espíritos. O
meu pai sempre acendia, por tradição, em torno das 18h. Os convidados iam
chegando ao som de muito forró raiz, que as emissoras de rádio AM da época
transmitiam. As vezes o seu Antônio Caboclo, amigo da família e morador do
bairro, chegava com sua harmônica e, alguns amigos com pandeiros e outros
instrumentos. Então, a música junina troava animando a todos.
Em
volta das labaredas do fogo, se realizavam simpatias com intenções diversas,
umas para arranjar namorados, ou para saber a letra do nome do futuro marido ou
esposa, enfiando uma faca virgem, numa bananeira. Outras, como a do espelho,
que se realizava num quarto escuro, para ver a figura do amor da sua vida.
Nunca esquecerei a pavorosa bacia com água, onde se deveria ver o rosto
refletido e daí, saber se estaria vivo ou viva no próximo ano. Essa, eu realizei,
e como não vi meu rosto refletido na bacia de alumínio com água, passei o ano
inteiro achando que não iria sobreviver para as festas do próximo mês de junho
do ano seguinte. Foi com alívio constatar que tudo não passava de lendas que a
tradição junina provoca nas nossas mentes. Outras características dessas
celebrações, ricas em jogos e brinquedos, que hoje em dia se tornaram cada vez
mais raras, são o ritual de pular a fogueira para atrair fluidos positivos e,
realização de apadrinhamentos, onde se recitava o seguinte trecho de uma oração
da cultura popular: - São João disse. São Pedro confirmou. - Pra você ser meu
afilhado. Que Deus mandou. Esse tipo de celebração era realizado com muita
seriedade ao redor da fogueira.
Os
pares para bailar o forró iam se formando entre risos e muita animação da
vizinhança convidada. Meu pai e minha mãe, seu Anfi e dona Julia eram
anfitriões atentos. Quando meu pai observava que a fogueira estava em brasas,
tratava de ir desenterrar as batatas já assadas e, saiam com uma crosta preta,
e cortadas e servidas, deliciavam o paladar da gente. Nesse momento minha mãe
trazia um grande bule de café fumegante, para acompanhar a degustação. Na
grande mesa da sala de jantar da nossa casa, sobre uma toalha quadriculada
haviam variados pratos juninos que não podiam faltar, como o pé de moleque e
uma variedade de outros bolos - milho, batata doce, macaxeira -, e também
bandejas de milho verde, assado e cozido, tapioca e doce de coco, canjica,
mungunzá, entre outras delícias da cozinha tradicional do mês de junho. E
claro, não podia faltar licor de jenipapo, além do pote de aluá, bebida
fermentada e elaborada com antecedência, a partir de pão, milho quebradinho ou
cascas de frutas como a do abacaxi. Refletindo sobre a mesa junina raiz, penso
que essa riqueza de sabores e narrativas envolvendo fábulas e histórias de
trancoso, vem se perdendo num túnel de um tempo nem tão longo, na longevidade
histórica temporal.
Sagrado
e Profano
Este
ano, no bairro Pan Americano
em Fortaleza, se realizou na Paroquia de São Pio X,
a procissão do feriado de Corpus Christi (19/06), data comemorativa do
calendário religioso; a caminhada saiu com grande aparato do clero e foi
acompanhada por um público de fiéis.
A ocasião também coincidiu e marcou a abertura e início da
festa junina na pracinha em frente ao templo católico com um Festival de
Quadrilhas. Apesar da chuvarada durante as quatro noites, a festa unindo o sagrado e o
profano entrou pelas madrugadas e, foi com muita animação que as pessoas
circularam entre a quadra, barracas e ornamentação típica, com ícones como cordões
de bandeirolas coloridas, balões e
tecidos de estampa xadrez, que na verdade se estabelecem como manifestações
culturais do ciclo junino.
Foto:
Regina Clara de Aguiar
Foto:
Barbara Iana Sakka
O curioso é que não se encontrava em nenhuma
barraca da pracinha, na ocasião, um item que há alguns anos compunha os pratos
típicos do período junino. Essa ausência das iguarias nessas festas, como era
antigamente, chamou muita atenção. Tudo bem, os tempos mudaram e no quesito,
pratos tradicionais juninos, foram incorporados, novos formatos e sabores, como
o vatapá, o creme de galinha, a paçoca - servidos num pratinho de plástico - e
até mesmo o famigerado bolo de chocolate. É de se lamentar, que nessa transição
de algumas décadas passadas, as pessoas não tenham mais tempo e disposição para
os pratos juninos, como afirmou uma negociante de barraca onde encontramos uma
panela de mungunzá: - “Ah, fazer bolo como o pé de moleque e canjica dá muito
trabalho e os ingredientes são caros”.
Podemos
dizer que ressignificar a culinária tradicional junina, para os tempos atuais,
significa uma perda da memória cultural e social, que se relaciona a práticas
de como há algumas décadas passadas, se elaborava e produzia os pratos nessa época
de festejos. Nesse sentido há uma inegável gama de fatores que podem ter
influenciado nesse contexto, como por exemplo, a ausência e perda de receitas
familiares importantes, que antes eram passadas de geração em geração, e que,
com o passar do tempo devido à falta de registro, transmissão pelos mais velhos
e falta de interesse dos mais jovens. Se pode constatar que o receituário se extingue,
junto com a memória oral ancestral. Nesse caso, à medida que um membro da
família morre, leva consigo para o túmulo, toda a oralidade que detinha sobre o
como fazer cada receita, respeitando a tradição que recebeu de pais e avós.
Isso está diretamente associado a uma diminuição de conhecimento dos ingredientes
típicos e, seus preparos a respeito dessa gastronomia específica.
Festa
junina significa a vivencia de momentos de alegria, reunião e celebração, em
meio a rituais ao redor do fogo, danças e a partilha de comidas típicas. Mas,
com o distanciamento dessas tradições no perímetro urbano das grandes cidades,
se observa um fenômeno que pode ter influenciado no surgimento de um novo
formato da festa com relação as apresentações de quadrilhas, na música e com
especificidade na elaboração de pratos típicos.
Encerramento
No final de semana, o evento envolvendo a festa profana
junina e o Festival de Quadrilhas, foi finalizado. Mas, uma pena, devido a
compromissos no dia seguinte, só consegui ver a primeira quadrilha a se
apresentar na noite de domingo, a Raio de Sol, na categoria infantil. Com muita sintonia nas
performances, guarda roupa e bailado, todavia sofreu com um atraso demasiado,
já que deveria começar sua atuação, às 21h, tendo iniciado mais de 22h. Com
certeza isso deve ter prejudicado a pontuação do grupo, quanto ao resultado
final.
Os organizadores do evento estão de parabéns, pois
valeu a pena, apesar da chuva noturna que banhou a plateia e os brincantes, se
acredita que a festa movimentou o bairro, além da questão econômica e
financeira, para quem negociou nas barracas de comidas e bebidas. (texto:
Regina Clara de Aguiar com a consultoria de Anfi Aguiar).
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Regina Clara de Aguiar
Fortaleza,
24 de junho de 2025
Regina
Clara de Aguiar
(Jornalista
e Dra. em Antropologia)
Comentários
(Comentário do amigo Padre Luizinho.
Parabéns, pela linda e grandiosa publicação!
Um abraço, Michelline Tavares!🌹🌹🌹🌹