Festa de ritos, magia, sagrado e profano, orações
e danças, além de momentos destinados a uma conexão com a ancestralidade sagrada
local por meio da cerimônia do toré, a 15ª edição do Marco Vivo da Imburana, foi
realizada nos dias 08 e 09 do mês de abril passado. E contou com a presença
de um grupo de antropólogos, entre eles o coordenador do programa de Máster em
Antropologia Ibero Americana da Universidade de Salamanca-USAL/Espanha,
Professor Dr. Ángel Espina Barrio, do Ms. Daniel
Valério e da jornalista e Dra. Regina Clara de Aguiar, que estiveram etnografando alguns
momentos da festividade, marcada no calendário anual da etnia indigena
Jenipapo-Kanindé, localizada na Lagoa Encantada, município de Aquiraz, área metropolitana
da Grande Fortaleza, onde aconteceu o evento em tela.
O
Marco Vivo é uma celebração à
natureza e às conquistas e lutas dos povos indígenas que vivem na referida região.
Tem como objetivo a reafirmação de identidades étnicas, e se
transforma num verdadeiro ritual ecológico e sustentável em agradecimento à
vida. A liderança indígena que é
considerada a primeira cacique do Estado do Ceará, conhecida
popularmente como Pequena, e sua filha a futura cacique Juliana, foram as
simpáticas anfitriãs do evento. A população dessa reserva indígena
reconhece que vem obtendo cada vez mais conquistas, por exemplo, as escolas atualmente
contam com professores indígenas qualificados, e o grupo já caminha para uma
graduação em licenciatura intercultural indígena, pela Universidade Federal do
Ceará - UFC. Outra aquisição positiva pode ser apontada na área da saúde, pois
há cerca de dez anos, funciona um posto para atendimento médico e uma equipe
multidisciplinar na área.
Segundo
os organizadores, quando a terra passou a ser limitada pela Fundação Nacional
do Índio - FUNAI, a uma área de 1.731 ha, a cacique Pequena sugeriu o uso
da imburana como o marco vivo da
limitação das terras, já que essa planta é nativa e endêmica da caatinga na
região nordeste brasileira. O seu nome popular deriva da corruptela das
palavras em língua tupi, y-mb-ú e Ra-na, formando assim, imburana. Essa árvore pertence à família das Burseráceas, sendo empregada
em diversas modalidades, - medicinal, forrageira, apícola, lenha, etc. -, a
cacique achou que seria uma fonte limítrofe e inspiradora para demarcar a
festa. E todo ano é realizado o ritual de preservação dos índios, que consiste
em se arrancar um tronco da imburana
e se replantar a planta mágica em outro lugar, com o sentido de multiplicar a
vida.
O
povo Jenipapo-Kanindé tem como meios de sobrevivência a prática da pesca,
agricultura, pecuária, além de desenvolverem um turismo comunitário sustentável
na área da Lagoa Encantada, no entorno do Morro do Urubu, que é ideal também
para se fazer trilhas e acampar, sendo a lagoa e o morro fortes fatores de
atrativos em meio a natureza e paisagens naturais do lugar, propiciando assim um
turismo ecológico. A celebração do Marco Vivo, conta ainda com o apoio da
Associação para o Desenvolvimento Local Co-Produzido-ADELCO, desde o ano
passado. Essa entidade vem desenvolvendo projetos em áreas de povos indígenas no
Ceará.
A programação do dia 08 de abril foi destinada a acolhida dos
parentes, convidados, e do jantar, incluindo atividades como: oração da espiritualidade,
ritual do toré e roda de conversa com os guardiões da memória, sendo o
encerramento a meia noite. Já no dia 09 a festa teve início às 8 horas com delegações de alunos e professores de diversas escolas municipais. Foi servido um café
da manhã comunitário e em seguida teve o ritual de benção da cacique Pequena, iniciando aí uma roda de
dança do toré que se estendeu por quase toda a manhã, seguida de falas das
lideranças locais e de outros povos envolvidos na solenidade festiva, assim
como instituições parceiras, órgãos governamentais e algumas ONG’s. O momento
do hino nacional foi incrível, entoado ao ritmo do forró cearense com
instrumentos como a sanfona, tocada pelo secretário da cultura do município de
Aquiraz, acompanhado por músicos locais com zabumba, triangulo, pandeiro entre
outros percussivos.
Ao meio-dia foi servido um almoço comunitário. A tarde seguiu com
o lançamento do CD da Cacique Pequena e apresentações culturais com os grupos
Kunhã Apyara e Água Pé. Após a caminhada até a margem
da Lagoa Encantada, no fim da tarde foi replantado o tronco da Imburana, e em meio a cantos e rezas os índios mais uma vez
dançaram o toré na intenção de celebrar a vida. No encerramento a cacique Pequena
agradeceu a presença de todos com as seguintes palavras: “a nossa Santa Mãe
Terra, é nosso Grande Tesouro, é dela que nós precisamos... Sem ela não somos
nada, somos peixinhos nadando fora d’água”.
Regina Clara de Aguiar
Jornalista e Dra. em Antropologia
GALERIA DE FOTOS DO EVENTO
Cacique Pequena da etnia Jenipapo-Kanindé
Prof. Dr. Ángel Espina com o pesquisador e Ms. Daniel Valério
exposição de artesanato indigena
Roda de dança circular do toré
pintura no rosto com urucum
Portal com alameda de entrada no local da Festa Marco da Imburana
mesa improvisada para servir o café com iguarias da gastronomia indigena local
Portal da entrada
Grupo de indígenas e público ao redor do tronco da imburana replantado ao final da tarde
extase em meio a dança do toré
Criança da comunidade Jenipapo-Kanindé
Tronco da Imburana
Prof. Dr. Ángel Espina Barrio da Universidade de Salamanca-USAL e líder indigena Jenipapo-Kanindé
Juliana, Dr.Ángel Espina e Dra. Regina Clara de Aguiar
Fala da cacique Pequena e do Secretário da Cultura de Aquiraz
Tronco da Imburana
Execução do Hino Nacional em ritmo de forró cearense
Artesanato indígena
Daniel Valério, Regina, Ángel e cacique Pequena
O pesquisador Ms. em antropologia Daniel Valério em conversa com a comunidade
Trilha para a Lagoa da Encantada