sexta-feira, 12 de abril de 2013

PONTO DE PARTIDA: A IDÉIA CENTRAL

Igreja de São José do Ribamar. Foto: Regina Clara de Aguiar.




Geralmente quando se pensa fazer um projeto, não se tem ainda um tema configurado, mas vagamente uma mística do que chamamos “ideia central” e a partir daí como o homem por ser indagador, e por essência, curioso, a ideia vai caminhando nos labirintos da criatividade e daí evolui para algo mais concreto na mente e aos olhos do criador em que nos transformamos dentro de um processo criativo. Segundo Doc Comparato[1] roteirista de televisão e cinema, “Teorias sobre a criatividade existem várias, surgidas dos mais diversos campos da atividade humana. Mas nenhuma delas, em verdade, esclarece muita coisa [...]. O autor define ideia como um processo mental oriundo da imaginação; criatividade, a concatenação dessas ideias e originalidade seria o que faz um texto ser diferente de um outro, por exemplo, pode ser a marca individual e seu estilo. Por esta razão se fala do ‘universo’ de um poeta, da ‘cosmogonia’ de um artista.
Brincando com as ideias - Comparato vai buscar em Freud explicações para o processo criativo, diz que suas pesquisas no campo da criatividade são de tal importância que muitos pesquisadores se debruçaram sobre o tema fazendo uma ‘re-leitura’ das pesquisas do médico vienense. Na obra Escritores Criativos e Devaneio de 1907, Sigmund Freud compara o escritor ao sonhador em plena luz do dia. E parte do argumento de que o escritor criativo, e o sonhador à plena luz do dia, fazem exatamente a mesma coisa que a criança quando brinca – reorganiza o mundo de um modo que lhe agrade ou castigue, usando para isto a matéria-prima do imaginário, que são as fantasias. E acrescenta que o brincar para a criança é uma atividade na qual se investe grande emoção, além de se estabelecer vínculos entre a realidade e o imaginário, ou seja, a criança no seu mundo infantil recria o que percebe do real para satisfazer seu desejo de ser adulto. E é isto que diferencia o “brincar” infantil do “fantasiar” do adulto; já que os adultos “brincam” (fantasiam) para fugir do real. E complementa que o brincar do artista reside em utilizar as fantasias, o devaneio, de uma forma concreta, por meio de tintas, palavras ou mármore, e ao final o resultado é a obra de arte.
A arte como necessidade social – vivemos num mundo onde a tecnologia a cada instante nos oferece novas possibilidades, e isso faz mudanças na nossa vida. Diariamente novos desejos e necessidades são bombardeados pela mídia e tudo isso num processo vertiginoso, e vamos descartando o velho aparelho de TV, celular, computador, isso para falar apenas em três dos itens que mais as pessoas investem em renovar por novos modelos. O psicólogo americano Carl Rogers (Comparato apud Rogers1983:42) parte do princípio de que [...] o comportamento criador parece representar a única saída, o único instrumento capaz de evitar o processo degenerativo das sociedades em geral. E ainda de acordo com Rogers, a maior parte da humanidade não é criativa porque é impedida.
Comparato atribui a educação como formadora de indivíduos conformistas, enquadrando, domando sua criatividade de forma que ela se insira dentro do que a sociedade deseja enquanto força de produção. A chamada “coragem intelectual” que normalmente formaria indivíduos plenamente capazes, não é incentivada. Antes pelo contrário, é abafada. O que se deseja dessas pessoas enquanto ator social, é que não saiam dos trilhos, e conformadamente, cumpram e obedeçam as ordens que são impostas ao meio social em que estão inseridos. Podemos levar em conta que infelizmente em alguns setores da nossa sociedade, o livre pensar, a originalidade e a criatividade ainda são vistas como “perigosas”, mas apesar de tudo isso o homem é capaz de quebrar paradigmas, e nesse  sentido o mundo das ideias evolui em prol do desenvolvimento das sociedades, do pensamento. Mas ainda hoje reina no núcleo interno da vida familiar algumas espécies de enquadramento e manipulação moldando hábitos de vestir, comer, deformando o comportamento afetivo, dirigindo a vida espiritual, em resumo diz Comparato, preparando o indivíduo para que se adapte ao estereótipo vigente, ao que a sociedade como um todo, uma força de comando, considera “bom” para seus membros. O autor exemplifica alguns dados mostrando como o indivíduo muitas vezes é reduzido à passividade dentro do seu contexto social. Explica que o passivo é o não-criativo. E retorna ao pensamento de Carl Rogers, que acredita ser o preço do conformismo, a aniquilação da humanidade. Complementando esse argumento diz que é preciso vencer a inércia, essa paralisia, esse medo de termos ideias, posto que antes de modificar o mundo, uma ideia modifica a quem a teve. E finalizando lembra que o ser humano é uma “obra em andamento”, melhorando, aperfeiçoando-se na medida em que caminha. E lança uma provocação: “já que somos a única espécie do reino animal com capacidade criativa, por que não usá-la”[2].
Criatividade abandono de todas as certezas – Segundo o psicólogo Abraham Maslow, as pessoas não tem coragem de enfrentar o papel em branco, tem medo da incerteza, do não saber o que vai acontecer, e que as pessoas criativas são exatamente aquelas que enfrentam essa incerteza. Por exemplo, Ingmar Bergman dizia tomar todas as suas decisões baseado na intuição; e Mozar em carta a um amigo, disse que não sabia como uma ideia chegava a ele - mas sabia que se dormisse a ideia não chegaria – assim, não dormia, passando as noites em claro à espera de que baixasse a ideia. E desses fios de música que surgiam no meio da noite, tecia suas sinfonias; Já Tchaikovsky dizia que devemos ser muito pacientes e esperar que chegue a inspiração. Mas o que ele via como importante era vencer a desinclinação, a paralisia, o deixar para amanhã, posto que essa desinclinação era simplesmente o medo do papel em branco. E  ainda se pode aportar ao depoimento de Albert Einstein  em What I Believe (1930): “A coisa mais bonita que podemos experimentar é o mistério. Ele é a fonte de toda a arte e ciência verdadeiras. Aquele para quem essa emoção é estranha, incapaz de soltar a imaginação  e quedar-se extasiado , é como se fosse um morto: seus olhos estão fechados...”. E fazendo um link com o cientista, o autor da obra em tela afirma que o abandonar as certezas é aceitar o risco do mistério, é entrar em zonas do nosso ser onde tudo é incerto, é enfrentar o medo de não saber o que fazer com a matéria-prima (Comparato 1983:46, 47).


Recife, 11 de abril de 2013
Regina Clara de Aguiar
(Profº. Dra. em Antropologia Iberoamericana. Universidad de Salamanca-USAL)


[1] Comparato, Doc (1983) Roteiro: arte e técnica de escrever para cinema e televisão. Editorial Nórdica Ltda. Rio de Janeiro, RJ.
[2] Ibidem Comparato, Doc 1983:43