Igreja de
São José do Ribamar. Foto: Regina Clara de Aguiar.
Geralmente quando se
pensa fazer um projeto, não se tem ainda um tema configurado, mas vagamente uma
mística do que chamamos “ideia central” e a partir daí como o homem por ser
indagador, e por essência, curioso, a ideia vai caminhando nos labirintos da criatividade
e daí evolui para algo mais concreto na mente e aos olhos do criador em que nos
transformamos dentro de um processo criativo. Segundo Doc Comparato[1] roteirista de televisão e cinema, “Teorias
sobre a criatividade existem várias, surgidas dos mais diversos campos da
atividade humana. Mas nenhuma delas, em verdade, esclarece muita coisa
[...]. O autor define ideia como um
processo mental oriundo da imaginação; criatividade,
a concatenação dessas ideias e originalidade
seria o que faz um texto ser diferente de um outro, por exemplo, pode ser a marca individual e seu estilo.
Por esta razão se fala do ‘universo’ de um poeta, da ‘cosmogonia’ de um artista.
Brincando com as ideias - Comparato vai buscar em
Freud explicações para o processo criativo, diz que suas pesquisas no campo da
criatividade são de tal importância que muitos pesquisadores se debruçaram
sobre o tema fazendo uma ‘re-leitura’ das pesquisas do médico vienense. Na obra
Escritores Criativos e Devaneio de 1907, Sigmund Freud compara o escritor ao
sonhador em plena luz do dia. E parte do argumento de que o escritor criativo,
e o sonhador à plena luz do dia, fazem exatamente a mesma coisa que a criança
quando brinca – reorganiza o mundo de um modo que lhe agrade ou castigue,
usando para isto a matéria-prima do imaginário, que são as fantasias. E
acrescenta que o brincar para a criança é uma atividade na qual se investe
grande emoção, além de se estabelecer vínculos entre a realidade e o imaginário,
ou seja, a criança no seu mundo infantil recria o que percebe do real para satisfazer
seu desejo de ser adulto. E é isto que diferencia o “brincar” infantil do
“fantasiar” do adulto; já que os adultos “brincam” (fantasiam) para fugir do
real. E complementa que o brincar do artista reside em utilizar as fantasias, o
devaneio, de uma forma concreta, por meio de tintas, palavras ou mármore, e ao
final o resultado é a obra de arte.
A arte como necessidade
social – vivemos num mundo onde a tecnologia a cada instante nos oferece novas
possibilidades, e isso faz mudanças na nossa vida. Diariamente novos desejos e
necessidades são bombardeados pela mídia e tudo isso num processo vertiginoso,
e vamos descartando o velho aparelho de TV, celular, computador, isso para
falar apenas em três dos itens que mais as pessoas investem em renovar por
novos modelos. O psicólogo americano Carl Rogers (Comparato apud Rogers1983:42) parte do princípio de
que [...] o comportamento criador
parece representar a única saída, o único instrumento capaz de evitar o
processo degenerativo das sociedades em geral. E ainda de acordo com Rogers, a
maior parte da humanidade não é criativa porque é impedida.
Comparato
atribui a educação como formadora de indivíduos conformistas, enquadrando,
domando sua criatividade de forma que ela se insira dentro do que a sociedade
deseja enquanto força de produção. A chamada “coragem intelectual” que
normalmente formaria indivíduos plenamente capazes, não é incentivada. Antes
pelo contrário, é abafada. O que se deseja dessas pessoas enquanto ator social,
é que não saiam dos trilhos, e conformadamente, cumpram e obedeçam as ordens
que são impostas ao meio social em que estão inseridos. Podemos levar em conta
que infelizmente em alguns setores da nossa sociedade, o livre pensar, a
originalidade e a criatividade ainda são vistas como “perigosas”, mas apesar de
tudo isso o homem é capaz de quebrar paradigmas, e nesse sentido o mundo das ideias evolui em prol do
desenvolvimento das sociedades, do pensamento. Mas ainda hoje reina no núcleo
interno da vida familiar algumas espécies de enquadramento e manipulação
moldando hábitos de vestir, comer, deformando o comportamento afetivo,
dirigindo a vida espiritual, em resumo diz Comparato, preparando o indivíduo
para que se adapte ao estereótipo vigente, ao que a sociedade como um todo, uma
força de comando, considera “bom” para seus membros. O autor exemplifica alguns
dados mostrando como o indivíduo muitas vezes é reduzido à passividade dentro
do seu contexto social. Explica que o passivo é o não-criativo. E retorna ao
pensamento de Carl Rogers, que acredita ser o preço do conformismo, a
aniquilação da humanidade. Complementando esse argumento diz que é preciso
vencer a inércia, essa paralisia, esse medo de termos ideias, posto que antes
de modificar o mundo, uma ideia modifica a quem a teve. E finalizando lembra
que o ser humano é uma “obra em andamento”, melhorando, aperfeiçoando-se na
medida em que caminha. E lança uma provocação: “já que somos a única
espécie do reino animal com capacidade criativa, por que não usá-la”[2].
Criatividade abandono de
todas as certezas – Segundo o psicólogo Abraham Maslow, as pessoas não tem coragem de
enfrentar o papel em branco, tem medo da incerteza, do não saber o que vai
acontecer, e que as pessoas criativas são exatamente aquelas que enfrentam essa
incerteza. Por exemplo, Ingmar Bergman dizia tomar todas as suas decisões
baseado na intuição; e Mozar em carta a um amigo, disse que não sabia como uma ideia
chegava a ele - mas sabia que se dormisse a ideia não chegaria – assim, não
dormia, passando as noites em claro à espera de que baixasse a ideia. E desses
fios de música que surgiam no meio da noite, tecia suas sinfonias; Já Tchaikovsky
dizia que devemos ser muito pacientes e esperar que chegue a inspiração. Mas o
que ele via como importante era vencer a desinclinação, a paralisia, o deixar
para amanhã, posto que essa desinclinação era simplesmente o medo
do papel em branco. E ainda se pode
aportar ao depoimento de Albert Einstein
em What I Believe (1930): “A coisa mais bonita que podemos experimentar
é o mistério. Ele é a fonte de toda a arte e ciência verdadeiras. Aquele para
quem essa emoção é estranha, incapaz de soltar a imaginação e quedar-se extasiado , é como se fosse um
morto: seus olhos estão fechados...”. E fazendo um link com o cientista, o autor da
obra em tela afirma que o abandonar as certezas é aceitar o risco do mistério,
é entrar em zonas do nosso ser onde tudo é incerto, é enfrentar o medo de não
saber o que fazer com a matéria-prima (Comparato 1983:46, 47).
Recife, 11 de abril
de 2013
Regina Clara de
Aguiar
(Profº. Dra. em Antropologia
Iberoamericana. Universidad de Salamanca-USAL)
Nenhum comentário:
Postar um comentário