sexta-feira, 29 de abril de 2011

O PRIMEIRO CAMINHO A GENTE NUNCA ESQUECE


Viajar caminhando com os próprios pés, por uma das muitas direções e atalhos que levam a Santiago de Compostela na Galícia, Espanha, é realmente árduo! Mas com certeza na época do Santo Apostolo não tinha muita opção! Porém, se acaso Santiago fosse nosso contemporâneo, certamente iria usufruir de todas as formas e possibilidades que levam o peregrino em estado de peregrinação, a passar dos pés, à bicicleta, ao cavalo, e até mesmo as charretes que ao longo dos caminhos cruzam com os caminhantes solitários ou em grupo, compartindo cenário, beleza e as bolhinhas que aparecem de vez em quando no dorso dos pés.

Caminhar... Caminhar... Caminhar... Ou seja, seguir um dos muitos caminhos que levam a um objetivo final único, que é chegar a Santiago de Compostela após andar no mínimo 100 kilometros durante alguns dias; entrar na catedral gótica monumental; assistir a missa dos peregrinos pontualmente ao meio-dia e receber o título da “Compostela”, com pompas de uma longa fila e atendentes que perguntam um montão de coisas até conceder o papel com o nome pessoal escrito em latim, pode significar muitas coisas, como: entrar em sintonia com a energia pura da natureza!






Sentir o cheiro de mato com incríveis tonalidades de um verde que até parece irreal aos nossos olhos; ouvir o galo cantar; chacoalhar em charco, na lama dos arroios que são muitos...; é sentir um pingo de chuva na cabeça que logo se transforma numa “tremenda tormenta” como alguém bem definiu as tempestades que costumam cair na Galícia.






E muitas vezes nos deixam completamente encharcados até a alma! Por isso é comum se encontrar estranhas formas nos caminhos, pois com a capa de chuva protegendo a mochila, o caminhante pode ser até mesmo confundido com o famoso e conhecido Corcunda de Notredame, o Quasemodo... 
No caminho pode-se desfrutar de uma deliciosa gastronomia local, com sabores para todos os gostos; mas o comum para muita gente é a trilogia sagrada composta de pão, vinho e os queijos artesanais, que em cada localidade tem sabor distinto. E frutas como laranja e banana são sempre bem vindas. 


Mas o que não pode faltar nunca na mochila é uma garrafinha de água que alivia o calor e a secura na garganta, sobretudo nas subidas, quando dependendo do nível de dificuldade, muitos caminhantes se ressentem.  


Além dos albergues, públicos ou privados, o peregrino conta também com uma rede de hotéis, pousadas e pensões, e até outros serviços, como enviar a mochila de taxi ou bicicleta para o local em que for pousar seu corpo cansado da caminhada, ao final de um longo dia que pode começar desde as 5:30 h da madrugada, para os mais corajosos.
  


Mas o que fica ao final de todo esse esforço é uma idéia incrível de conexão! E a certeza de que se usufruiu de uma etapa crucial para o resto da vida. Assim é caminhar! É se deparar frente ao sagrado, pois o caminho sutilmente pode conduzir a crentes, não crentes, agnósticos, ateus, os com fé exacerbada etc. etc., a todas as formas de meditação e contemplação mediante o canal natural expandido de acordo com a consciência do caminhante e suas buscas pessoais.




Posso afirmar que foi marcante nessa caminhada, um sentimento profundo de incrível solidariedade humana...; além do que se pode considerar imensa força de vontade, a exemplo de uma senhora francesa com 75 anos, que sozinha fazia sua quinta peregrinação, e segundo explicou, a última imersão no caminho. Mas o caminho segue e seguirá..., sempre haverá adeptos e mais adeptos dispostos a investir na caminhada lúdica para alguns e de fé para outros.


E agora só resta lembrar que na floresta silenciosa, apenas rompido o  silencio, com o som dos nossos passos, sempre haverá a possibilidade de se encontrar atrás de um velho tronco de árvore, à nossa espreita, uma Meiguinha (bruxinha da Galícia) a nos observar e até seguir, sorrindo muito e protegendo de todos os perigos da floresta secular. E assim com a permissão e bendição desses pequenos e ocultos seres invisíveis da natureza plena, termino esse pequeno texto escrito com o coração repleto de alegria de ter vivenciado dias em companhia de pessoas com almas sensíveis e engrandecidas por uma áurea de fraternidade e amor universal.
Salamanca, 29 de abril de 2011.
Reginam Claram de Aguiar