sexta-feira, 19 de agosto de 2011

BAIÃO DE DOIS COM PAÇOCA TIPICO DA COZINHA CEARENSE

Baião-de-dois – Inspirada na leitura do texto “Gostosuras populares da cana e do açúcar”, de Mário Souto Maior, consigo recordar em meio ao conjunto de lembranças de hábitos, costumes e rotinas em família, da preparação de um prato típico da minha terra, o “baião-de-dois”. Para o seu preparo nada mais, nada menos, que o trivial feijão e arroz. Após o feijão ser levado ao fogo, acrescentar pedaços de toucinho fresco ou em forma de torresmo. Importante, deve ser usado apenas, feijão verde, ou seu variante seco, ‘de corda’. Aqui em Pernambuco encontra-se em mercados e feiras populares. Em seguida ao seu cozimento, joga-se o arroz devidamente lavado e seco em uma peneira, dentro da panela do feijão cozido, para secar. De preferência usa-se uma panela de barro, e ainda fica mais saboroso se feito em fogão à lenha. Ao mesmo tempo do arroz, coloca-se muito queijo coalho cortadinho, nata e manteiga da terra. E se quiser dar um sabor diferente ao tempero, junta-se o piqui, frutinha recheada com um caroço em forma de espinhos, que deve ser apenas lambida com cuidado para não se acidentar, pois provoca lesões no músculo da língua. O seu uso é apenas para dar um sabor exótico, e é difícil de ser encontrado por aqui. O cheiro do ‘baião’ que é considerado o prato de maior representatividade da gastronomia cearense, é algo indescritível, sobressaindo-se às vezes o feijão, outras vezes o queijo derretido. Ao final configura-se uma grande mistura para ser saboreada quente, fumaçando, numa mesa reunindo a família, amigos e agregados, pois o cearense com fama de hospitaleiro, sempre tem algum agregado em casa nos momentos das refeições.
Bom, como aqui em Pernambuco se costuma festejar datas importantes servindo a tradicional “feijoada”, lá no Ceará, é costume local se convidar para algum festejo em casa e servir o ‘baião’. Normalmente o prato é acompanhado pela paçoca que também faz parte dos pratos típicos da culinária cearense. Também não pode faltar na mesa de jantar, como a sopa de feijão pernambucana. Ao final de tarde reina nas ruas e ruelas das cidades cearenses, o cheiro característico do cozimento do baião, enchendo olfato e paladar com o delicioso aroma. Geralmente para o jantar durante a semana se usa a sobra do feijão do almoço, e é de um feitio mais simples.

Paçoca - Aos domingos a faina lá em casa começava logo cedinho, pois um tio avó, irmão do nosso avô paterno, o Dr. Drumond, magistrado considerado mestre e sábio pela família, todos nós tínhamos o maior respeito e deferência, inclusive só chamávamos ele, de dotô, costumava marcar ponto cerrado na mesa domingueira da Juju, minha mãe, para degustar no almoço o delicioso baião com paçoca. Chegava perguntando já do portão: “Júlia o ‘baião’ já tá pronto? Embaixo do braço sempre trazia um ‘agrado’, como uma lata de marmelada, que não se encontra mais como naquela época, para a sobremesa, ou um queijo-do-reino. Minha mãe atarefada, com os preparos do almoço, andava de um lado e do outro, chamava por cada uma das três mais velhas (sou a do meio), chega aqui fulana, bota o jabá no fogo com água pra tirar o sal. O jabá , carne de charque, seca ou carne de sol é para o preparo da paçoca. Os ingredientes são além da carne, cebola e farinha de mandioca. Na minha casa a moda antiga, meus pais tinham no quintal, um ‘pilão’ de madeira enorme, confeccionado num tronco de árvore pelo meu avó paterno. Ao meu pai cabia a tarefa de lavar o utensílio, pois como ele era fincado no chão, sempre apareciam as visitantes formigas. Inicialmente ele esfregava com sabão de pedra, depois com bastante água quente, aí deixava enxugar coberto com um pano limpo. Enquanto isso, minha mãe preparava a paçoca para ser pilada. Depois de tirado o excesso de sal da carne, esta era frita numa frigideira com óleo e cebola. Para dar a coloração amarelada, indispensável o coloral, que em outras ocasiões era triturado no mesmo pilão, aí já é uma outra receita, de manipulação de tempero caseiro. Como a minha mãe antigamente tirava do quintal estes produtos, além da horta caseira que hoje em dia ela ainda mantém, tinha um pé de urucum, pequeno arbusto de onde se retira as sementes para o coloral, entre muitas fruteiras. Quando a carne está assada tira-se a frigideira do fogo, e então, põe-se cebola crua e a farinha, essa farofa é colocada no pilão e triturada até ficar completamente macerada. Meu pai passava horas como obreiro da paçoca. Ele tinha uma habilidade incrível no manuseio do braço do pilão. Algumas vezes eu ajudava, mas cansava logo, o suor frio ia descendo pelas costas. Mas a trabalheira para tal confecção desse prato, valia a pena, pelo sabor com gosto de festa.

Regina Clara de Aguiar
Recife, 18 de novembro de 2003.