quinta-feira, 6 de maio de 2010

QUANDO SOA A CAMPAINHA


Uma das entradas da catedral velha de Salamanca-Espanha

 
Como acontece todo sábado... Acorda... E depois de um demorado banho, veste uma roupa leve, sempre aquela camiseta branca de algodão já surrada, e uma velha calça de flanela marrom. Toma o café da manhã na sala, àquela hora, ainda meio sombria, enquanto assiste a um programa diário de notícias, na televisão. Os ponteiros do relógio marcam vagarosamente, a passagem vigorosa do tempo. Ansiosa, fica atenta. Espera mais uma vez, que toque a campainha da porta, e de repente ele chegue... Entre... E beije sua boca com avidez de macho... Isso deixa suas pernas quentes, comprime um pouco para aliviar a tensão... Tudo começou há um tempo atrás, numa praça. Estavam cheios de desejos. Falavam entre outras coisas, de magia, palavras que marcaram esses pequenos e furtivos encontros. E com carinho trocavam abraços e beijos ardentes, sem promessa para o futuro.
No mes de junho a natureza se renova, é um período de transição, entre o rigoroso inverno e o verão, que traz a calidez de dias luminosos, ensolarados. E um verdadeiro convite a se vivenciar encontros com sabor de novo. Os casacos pesados vão para o armário, onde ficam alguns meses trancafiados, esperando a chegada invernal, infernal, desnudando assim, as pessoas, que se mostram mais a vontade com seus corpos, e se deixam seduzir. As cegonhas começam a chegar e preparar os enormes ninhos nos campanários das igrejas seculares. Estava feliz, havia conseguido entregar todos os trabalhos. Durante um dos últimos seminários, havia uma certa cumplicidade de olhares com o professor... Porém, não queria se deixar envolver...
Sentemos... a voz forte sussurrou ao seu lado. Somente a fonte de água, de testemunha... Sentaram..., no banco da pracinha solitária, entre o sábado e o domingo daquele final de semana de junho. Era mais de uma hora da madrugada, soprava uma suave brisa, sentia um pouco de frio nos braços. Voltavam de uma confraternização num restaurante indiano, para despedida da turma, que começava a retornar a seus países de origem, um a um. A cada dia, a sala de aula do seminário de Ciências Sociais, durante o período de docência, nos meses de janeiro a junho daquele ano, começava a se ressentir com as ausências.
Depois do jantar, foram a um show em praça pública, de uma conhecida banda de rock, onde dançaram, movimentando os corpos até suar, e deixar a adrenalina fluir e fotografaram. Em seguida foram a um barzinho num dos becos próximo ao local, beber um chupito, espécie de licor com aguardente, de sabores coloridos. Tomaram uma água mineral..., ele olhou para ela e falou: vamos..., ela silenciosa acompanhou... Embaixo de um poste de luz amarela da enorme praça onde minutos antes fervilhava de gente e de sons, pararam... seguiram... outro poste... outra parada...
Perguntou: onde moras? Ela explicou... Seguiram... Falavam compulsivamente, como que para esconder um desejo..., uma emoção? Sentaram... joelhos contra joelhos... ato continuo, colou os lábios nos dela, que aos poucos se entregou aquele dócil e enigmático instante, como o clic mágico de uma camera fotográfica... Em sua cabeça fervilhavam pensamentos dúbios numa dicotomia de valores e sentidos: Encontros e Desencontros... Chegadas e Partidas... Início e Final... Felizes se entregaram a mais beijos loucos, abraços ao princípio retorcidos, sem jeito... E se foram, para o paraíso... Como dizia o poetinha Vinícius de Moraes: “Mas que seja infinito enquanto dure”... E foi eterno... uma, duas, três semanas, e lá se foi ele. E numa tarde cinza, sentada ao pé de um monumento, as lágrimas rolavam e aceleravam as batidas no seu peito desfeito...

Conto publicado como
Clara Drummond (pseudônimo)
no site da Bienal Internacional do Livro de Recife/2009.
Salamanca, 04 de outubro de 2009.

4 comentários:

Regina Clara de Aguiar disse...

Incrível essas vivências que o tempo nos oferece. Relendo esse continho fico revivendo toda uma fase da minha vida.

Regina Clara de Aguiar disse...

Incrível reler esse conto. Revela toda uma fase vivenciada em momentos eternizados pelo Mestre "tempo".

Maria Conceição de Lacerda disse...

Incrível seu texto e mais incrível ainda é esta catedral ainda me lembro das passagens por aí e me bate uma saudade! Catedral bela e acolhedora

Regina Clara de Aguiar disse...

É verdade Conceiça. Sinto muita saudade dos monumentos salmantinos