domingo, 8 de agosto de 2021

Camponesas na luta em defesa da terra e da vida







 

quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

No balanço da rede



Esse vídeo clip com 6 minutos e 08 segundos é uma pequena mostra da viagem de barco na rota da hidrovia que liga os rios Madeira e Amazonas, realizada em maio de 2018 a bordo do barco Stenio Araújo, saindo do Terminal Hidroviário Cai N'Água, em Porto Velho, capital rondoniense, em direção a Manaus no estado do Amazonas.

terça-feira, 5 de maio de 2015

15ª EDIÇÃO DA FESTA DO MARCO VIVO DA IMBURANA

Festa de ritos, magia, sagrado e profano, orações e danças, além de momentos destinados a uma conexão com a ancestralidade sagrada local por meio da cerimônia do toré, a 15ª edição do Marco Vivo da Imburana, foi realizada nos dias 08 e 09 do mês de abril passado. E contou com a presença de um grupo de antropólogos, entre eles o coordenador do programa de Máster em Antropologia Ibero Americana da Universidade de Salamanca-USAL/Espanha, Professor Dr. Ángel Espina Barrio, do  Ms. Daniel Valério e da jornalista e Dra. Regina Clara de Aguiar, que estiveram etnografando alguns momentos da festividade, marcada no calendário anual da etnia indigena Jenipapo-Kanindé, localizada na Lagoa Encantada, município de Aquiraz, área metropolitana da Grande Fortaleza, onde aconteceu o evento em tela.
O Marco Vivo é uma celebração à natureza e às conquistas e lutas dos povos indígenas que vivem na referida região. Tem como objetivo a reafirmação de identidades étnicas, e se transforma num verdadeiro ritual ecológico e sustentável em agradecimento à vida. A liderança indígena que é considerada a primeira cacique do Estado do Ceará, conhecida popularmente como Pequena, e sua filha a futura cacique Juliana, foram as simpáticas anfitriãs do evento. A população dessa reserva indígena reconhece que vem obtendo cada vez mais conquistas, por exemplo, as escolas atualmente contam com professores indígenas qualificados, e o grupo já caminha para uma graduação em licenciatura intercultural indígena, pela Universidade Federal do Ceará - UFC. Outra aquisição positiva pode ser apontada na área da saúde, pois há cerca de dez anos, funciona um posto para atendimento médico e uma equipe multidisciplinar na área.
Segundo os organizadores, quando a terra passou a ser limitada pela Fundação Nacional do Índio - FUNAI, a uma área de 1.731 ha, a cacique Pequena sugeriu  o uso da imburana como o marco vivo da limitação das terras, já que essa planta é nativa e endêmica da caatinga na região nordeste brasileira. O seu nome popular deriva da corruptela das palavras em língua tupi, y-mb-ú e Ra-na, formando assim, imburana. Essa árvore pertence à família das Burseráceas, sendo empregada em diversas modalidades, - medicinal, forrageira, apícola, lenha, etc. -, a cacique achou que seria uma fonte limítrofe e inspiradora para demarcar a festa. E todo ano é realizado o ritual de preservação dos índios, que consiste em se arrancar um tronco da imburana e se replantar a planta mágica em outro lugar, com o sentido de multiplicar a vida.
O povo Jenipapo-Kanindé tem como meios de sobrevivência a prática da pesca, agricultura, pecuária, além de desenvolverem um turismo comunitário sustentável na área da Lagoa Encantada, no entorno do Morro do Urubu, que é ideal também para se fazer trilhas e acampar, sendo a lagoa e o morro fortes fatores de atrativos em meio a natureza e paisagens naturais do lugar, propiciando assim um turismo ecológico. A celebração do Marco Vivo, conta ainda com o apoio da Associação para o Desenvolvimento Local Co-Produzido-ADELCO, desde o ano passado. Essa entidade vem desenvolvendo projetos em áreas de povos indígenas no Ceará.
A programação do dia 08 de abril foi destinada a acolhida dos parentes, convidados, e do jantar, incluindo atividades como: oração da espiritualidade, ritual do toré e roda de conversa com os guardiões da memória, sendo o encerramento a meia noite. Já no dia 09 a festa teve início às 8 horas com delegações de alunos e professores de diversas escolas municipais. Foi servido um café da manhã comunitário e em seguida teve o ritual de benção da cacique Pequena, iniciando aí uma roda de dança do toré que se estendeu por quase toda a manhã, seguida de falas das lideranças locais e de outros povos envolvidos na solenidade festiva, assim como instituições parceiras, órgãos governamentais e algumas ONG’s. O momento do hino nacional foi incrível, entoado ao ritmo do forró cearense com instrumentos como a sanfona, tocada pelo secretário da cultura do município de Aquiraz, acompanhado por músicos locais com zabumba, triangulo, pandeiro entre outros percussivos.
Ao meio-dia foi servido um almoço comunitário. A tarde seguiu com o lançamento do CD da Cacique Pequena e apresentações culturais com os grupos Kunhã Apyara e Água Pé. Após a caminhada até a margem da Lagoa Encantada, no fim da tarde foi replantado o tronco da Imburana, e em meio a cantos e rezas os índios mais uma vez dançaram o toré na intenção de celebrar a vida. No encerramento a cacique Pequena agradeceu a presença de todos com as seguintes palavras: “a nossa Santa Mãe Terra, é nosso Grande Tesouro, é dela que nós precisamos... Sem ela não somos nada, somos peixinhos nadando fora d’água”.

Regina Clara de Aguiar

Jornalista e Dra. em Antropologia 


GALERIA DE FOTOS DO EVENTO


Cacique Pequena da etnia Jenipapo-Kanindé











Prof. Dr. Ángel Espina com o pesquisador e Ms. Daniel Valério


exposição de artesanato indigena











Roda de dança circular do toré


pintura no rosto com urucum

 

Portal com alameda de entrada no local da Festa Marco da Imburana


mesa improvisada para servir o café com iguarias da gastronomia indigena local


Portal da entrada


Grupo de indígenas e público ao redor do tronco da imburana replantado ao final da tarde


extase em meio a dança do toré


Criança da comunidade Jenipapo-Kanindé


Tronco da Imburana



Prof. Dr. Ángel Espina Barrio da Universidade de Salamanca-USAL e líder indigena Jenipapo-Kanindé


Juliana,  Dr.Ángel Espina e  Dra. Regina Clara de Aguiar








Fala da cacique Pequena e do Secretário da Cultura de Aquiraz








Tronco da Imburana


Execução do Hino Nacional em ritmo de forró cearense


Artesanato indígena








Daniel Valério, Regina, Ángel e cacique Pequena



O pesquisador Ms. em antropologia Daniel Valério em conversa com a comunidade




Trilha para a Lagoa da Encantada

sexta-feira, 12 de abril de 2013

PONTO DE PARTIDA: A IDÉIA CENTRAL

Igreja de São José do Ribamar. Foto: Regina Clara de Aguiar.




Geralmente quando se pensa fazer um projeto, não se tem ainda um tema configurado, mas vagamente uma mística do que chamamos “ideia central” e a partir daí como o homem por ser indagador, e por essência, curioso, a ideia vai caminhando nos labirintos da criatividade e daí evolui para algo mais concreto na mente e aos olhos do criador em que nos transformamos dentro de um processo criativo. Segundo Doc Comparato[1] roteirista de televisão e cinema, “Teorias sobre a criatividade existem várias, surgidas dos mais diversos campos da atividade humana. Mas nenhuma delas, em verdade, esclarece muita coisa [...]. O autor define ideia como um processo mental oriundo da imaginação; criatividade, a concatenação dessas ideias e originalidade seria o que faz um texto ser diferente de um outro, por exemplo, pode ser a marca individual e seu estilo. Por esta razão se fala do ‘universo’ de um poeta, da ‘cosmogonia’ de um artista.
Brincando com as ideias - Comparato vai buscar em Freud explicações para o processo criativo, diz que suas pesquisas no campo da criatividade são de tal importância que muitos pesquisadores se debruçaram sobre o tema fazendo uma ‘re-leitura’ das pesquisas do médico vienense. Na obra Escritores Criativos e Devaneio de 1907, Sigmund Freud compara o escritor ao sonhador em plena luz do dia. E parte do argumento de que o escritor criativo, e o sonhador à plena luz do dia, fazem exatamente a mesma coisa que a criança quando brinca – reorganiza o mundo de um modo que lhe agrade ou castigue, usando para isto a matéria-prima do imaginário, que são as fantasias. E acrescenta que o brincar para a criança é uma atividade na qual se investe grande emoção, além de se estabelecer vínculos entre a realidade e o imaginário, ou seja, a criança no seu mundo infantil recria o que percebe do real para satisfazer seu desejo de ser adulto. E é isto que diferencia o “brincar” infantil do “fantasiar” do adulto; já que os adultos “brincam” (fantasiam) para fugir do real. E complementa que o brincar do artista reside em utilizar as fantasias, o devaneio, de uma forma concreta, por meio de tintas, palavras ou mármore, e ao final o resultado é a obra de arte.
A arte como necessidade social – vivemos num mundo onde a tecnologia a cada instante nos oferece novas possibilidades, e isso faz mudanças na nossa vida. Diariamente novos desejos e necessidades são bombardeados pela mídia e tudo isso num processo vertiginoso, e vamos descartando o velho aparelho de TV, celular, computador, isso para falar apenas em três dos itens que mais as pessoas investem em renovar por novos modelos. O psicólogo americano Carl Rogers (Comparato apud Rogers1983:42) parte do princípio de que [...] o comportamento criador parece representar a única saída, o único instrumento capaz de evitar o processo degenerativo das sociedades em geral. E ainda de acordo com Rogers, a maior parte da humanidade não é criativa porque é impedida.
Comparato atribui a educação como formadora de indivíduos conformistas, enquadrando, domando sua criatividade de forma que ela se insira dentro do que a sociedade deseja enquanto força de produção. A chamada “coragem intelectual” que normalmente formaria indivíduos plenamente capazes, não é incentivada. Antes pelo contrário, é abafada. O que se deseja dessas pessoas enquanto ator social, é que não saiam dos trilhos, e conformadamente, cumpram e obedeçam as ordens que são impostas ao meio social em que estão inseridos. Podemos levar em conta que infelizmente em alguns setores da nossa sociedade, o livre pensar, a originalidade e a criatividade ainda são vistas como “perigosas”, mas apesar de tudo isso o homem é capaz de quebrar paradigmas, e nesse  sentido o mundo das ideias evolui em prol do desenvolvimento das sociedades, do pensamento. Mas ainda hoje reina no núcleo interno da vida familiar algumas espécies de enquadramento e manipulação moldando hábitos de vestir, comer, deformando o comportamento afetivo, dirigindo a vida espiritual, em resumo diz Comparato, preparando o indivíduo para que se adapte ao estereótipo vigente, ao que a sociedade como um todo, uma força de comando, considera “bom” para seus membros. O autor exemplifica alguns dados mostrando como o indivíduo muitas vezes é reduzido à passividade dentro do seu contexto social. Explica que o passivo é o não-criativo. E retorna ao pensamento de Carl Rogers, que acredita ser o preço do conformismo, a aniquilação da humanidade. Complementando esse argumento diz que é preciso vencer a inércia, essa paralisia, esse medo de termos ideias, posto que antes de modificar o mundo, uma ideia modifica a quem a teve. E finalizando lembra que o ser humano é uma “obra em andamento”, melhorando, aperfeiçoando-se na medida em que caminha. E lança uma provocação: “já que somos a única espécie do reino animal com capacidade criativa, por que não usá-la”[2].
Criatividade abandono de todas as certezas – Segundo o psicólogo Abraham Maslow, as pessoas não tem coragem de enfrentar o papel em branco, tem medo da incerteza, do não saber o que vai acontecer, e que as pessoas criativas são exatamente aquelas que enfrentam essa incerteza. Por exemplo, Ingmar Bergman dizia tomar todas as suas decisões baseado na intuição; e Mozar em carta a um amigo, disse que não sabia como uma ideia chegava a ele - mas sabia que se dormisse a ideia não chegaria – assim, não dormia, passando as noites em claro à espera de que baixasse a ideia. E desses fios de música que surgiam no meio da noite, tecia suas sinfonias; Já Tchaikovsky dizia que devemos ser muito pacientes e esperar que chegue a inspiração. Mas o que ele via como importante era vencer a desinclinação, a paralisia, o deixar para amanhã, posto que essa desinclinação era simplesmente o medo do papel em branco. E  ainda se pode aportar ao depoimento de Albert Einstein  em What I Believe (1930): “A coisa mais bonita que podemos experimentar é o mistério. Ele é a fonte de toda a arte e ciência verdadeiras. Aquele para quem essa emoção é estranha, incapaz de soltar a imaginação  e quedar-se extasiado , é como se fosse um morto: seus olhos estão fechados...”. E fazendo um link com o cientista, o autor da obra em tela afirma que o abandonar as certezas é aceitar o risco do mistério, é entrar em zonas do nosso ser onde tudo é incerto, é enfrentar o medo de não saber o que fazer com a matéria-prima (Comparato 1983:46, 47).


Recife, 11 de abril de 2013
Regina Clara de Aguiar
(Profº. Dra. em Antropologia Iberoamericana. Universidad de Salamanca-USAL)


[1] Comparato, Doc (1983) Roteiro: arte e técnica de escrever para cinema e televisão. Editorial Nórdica Ltda. Rio de Janeiro, RJ.
[2] Ibidem Comparato, Doc 1983:43

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

POEMA DE FINAL DE TARDE

Hoje perambulando sob o sol do meio-dia
desta cidade colorida
na pedra de villamayor!
Energia solar outonal!
Inquietude!
Quietude!
Lugares de poder,
fazem lembrar de te em cada esquina!
exercendo em mim
o eterno retorno de um dia ter sido tua!
Simbiose de lembranças!
De momentos!
Tua sombra ainda habita meu ser!
Teu cheiro!
Teu sabor!
Tua boca ávida...
A minha boca se envolvendo na tua
Nessa ágora... Antes, agora, final de tarde.
Procuro tua boca e só encontro o sopro vazio do ar que sopra meu rosto,
Roçando meus lábios!
Lembrando outras tardes!

Porém!
Hoje vives em mim...
Revives ainda a certeza... 
Ilusão...
Utopia...
A verdade de ter sido tua!
Tua sombra ainda habita meu ser!
Repousa com profundidade e força mediúnica,
nas entrelinhas de uma metáfora! Meta... A se viver!
Teus pés pisam por meio da tua sombra que habita meu ser,
O mesmo solo sagrado
Que me trouxe a te!
Atravessando elementos
Terra!
Água!
Oceano de águas, cálidas!
Cheguei a te,
Nas asas da magia... Da Meiga!
E numa tarde...
Com o sol da primavera tocando minha pele e a tua
Despertando aromas distintos que se imbtricaram
Em tardes e noites desta cidade!
Hoje cada monumento é testemunha da dor
Dor que ainda dói!
Desespero!
Correnteza de lágrimas!
E as águas se tornaram frias...


O sol ainda ilumina a tua sombra que vive em meu ser!
E a mesma praça reflete tua presença!
O mesmo banco!
Lugar legitimando
a madrugada em que fui tua por primeira vez...
Tua boca roubando um primeiro beijo!
Teu beijo eternizado naquele banco...
E a fonte ainda jorrando água!
Parece que tudo se paralisou em te!
Na tua força mística!
No teu ser incandescente!
Ser que ainda habita meu ser!
Ainda sinto teu cheiro!
Ainda escuto tua voz!
Ainda sinto teu alento
Ainda sinto teus movimentos!

Tuas mãos em busca das minhas mãos!
Teus pés caminhando junto aos meus!
No mesmo ritmo cadenciado.
O calor do teu corpo aquecendo o frio da cidade!
Te amo! Te quero! Te gosto! Te sinto xamã!
Chama ardente na minha alma desfeita!
Ou alma refeita sempre que
retornas mitificado!
Transcendental!
E me apertas!
E me confirmas!
E sussurras através do vento que sopra discreto,
Não... Não vou te esquecer!
Não... Não quero que te vás de minhas lembranças!

Te amo!

Salamanca, 22 de setembro de 2011.
Regina Clara de Aguiar

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

BAIÃO DE DOIS COM PAÇOCA TIPICO DA COZINHA CEARENSE

Baião-de-dois – Inspirada na leitura do texto “Gostosuras populares da cana e do açúcar”, de Mário Souto Maior, consigo recordar em meio ao conjunto de lembranças de hábitos, costumes e rotinas em família, da preparação de um prato típico da minha terra, o “baião-de-dois”. Para o seu preparo nada mais, nada menos, que o trivial feijão e arroz. Após o feijão ser levado ao fogo, acrescentar pedaços de toucinho fresco ou em forma de torresmo. Importante, deve ser usado apenas, feijão verde, ou seu variante seco, ‘de corda’. Aqui em Pernambuco encontra-se em mercados e feiras populares. Em seguida ao seu cozimento, joga-se o arroz devidamente lavado e seco em uma peneira, dentro da panela do feijão cozido, para secar. De preferência usa-se uma panela de barro, e ainda fica mais saboroso se feito em fogão à lenha. Ao mesmo tempo do arroz, coloca-se muito queijo coalho cortadinho, nata e manteiga da terra. E se quiser dar um sabor diferente ao tempero, junta-se o piqui, frutinha recheada com um caroço em forma de espinhos, que deve ser apenas lambida com cuidado para não se acidentar, pois provoca lesões no músculo da língua. O seu uso é apenas para dar um sabor exótico, e é difícil de ser encontrado por aqui. O cheiro do ‘baião’ que é considerado o prato de maior representatividade da gastronomia cearense, é algo indescritível, sobressaindo-se às vezes o feijão, outras vezes o queijo derretido. Ao final configura-se uma grande mistura para ser saboreada quente, fumaçando, numa mesa reunindo a família, amigos e agregados, pois o cearense com fama de hospitaleiro, sempre tem algum agregado em casa nos momentos das refeições.
Bom, como aqui em Pernambuco se costuma festejar datas importantes servindo a tradicional “feijoada”, lá no Ceará, é costume local se convidar para algum festejo em casa e servir o ‘baião’. Normalmente o prato é acompanhado pela paçoca que também faz parte dos pratos típicos da culinária cearense. Também não pode faltar na mesa de jantar, como a sopa de feijão pernambucana. Ao final de tarde reina nas ruas e ruelas das cidades cearenses, o cheiro característico do cozimento do baião, enchendo olfato e paladar com o delicioso aroma. Geralmente para o jantar durante a semana se usa a sobra do feijão do almoço, e é de um feitio mais simples.

Paçoca - Aos domingos a faina lá em casa começava logo cedinho, pois um tio avó, irmão do nosso avô paterno, o Dr. Drumond, magistrado considerado mestre e sábio pela família, todos nós tínhamos o maior respeito e deferência, inclusive só chamávamos ele, de dotô, costumava marcar ponto cerrado na mesa domingueira da Juju, minha mãe, para degustar no almoço o delicioso baião com paçoca. Chegava perguntando já do portão: “Júlia o ‘baião’ já tá pronto? Embaixo do braço sempre trazia um ‘agrado’, como uma lata de marmelada, que não se encontra mais como naquela época, para a sobremesa, ou um queijo-do-reino. Minha mãe atarefada, com os preparos do almoço, andava de um lado e do outro, chamava por cada uma das três mais velhas (sou a do meio), chega aqui fulana, bota o jabá no fogo com água pra tirar o sal. O jabá , carne de charque, seca ou carne de sol é para o preparo da paçoca. Os ingredientes são além da carne, cebola e farinha de mandioca. Na minha casa a moda antiga, meus pais tinham no quintal, um ‘pilão’ de madeira enorme, confeccionado num tronco de árvore pelo meu avó paterno. Ao meu pai cabia a tarefa de lavar o utensílio, pois como ele era fincado no chão, sempre apareciam as visitantes formigas. Inicialmente ele esfregava com sabão de pedra, depois com bastante água quente, aí deixava enxugar coberto com um pano limpo. Enquanto isso, minha mãe preparava a paçoca para ser pilada. Depois de tirado o excesso de sal da carne, esta era frita numa frigideira com óleo e cebola. Para dar a coloração amarelada, indispensável o coloral, que em outras ocasiões era triturado no mesmo pilão, aí já é uma outra receita, de manipulação de tempero caseiro. Como a minha mãe antigamente tirava do quintal estes produtos, além da horta caseira que hoje em dia ela ainda mantém, tinha um pé de urucum, pequeno arbusto de onde se retira as sementes para o coloral, entre muitas fruteiras. Quando a carne está assada tira-se a frigideira do fogo, e então, põe-se cebola crua e a farinha, essa farofa é colocada no pilão e triturada até ficar completamente macerada. Meu pai passava horas como obreiro da paçoca. Ele tinha uma habilidade incrível no manuseio do braço do pilão. Algumas vezes eu ajudava, mas cansava logo, o suor frio ia descendo pelas costas. Mas a trabalheira para tal confecção desse prato, valia a pena, pelo sabor com gosto de festa.

Regina Clara de Aguiar
Recife, 18 de novembro de 2003.

sexta-feira, 29 de abril de 2011

O PRIMEIRO CAMINHO A GENTE NUNCA ESQUECE


Viajar caminhando com os próprios pés, por uma das muitas direções e atalhos que levam a Santiago de Compostela na Galícia, Espanha, é realmente árduo! Mas com certeza na época do Santo Apostolo não tinha muita opção! Porém, se acaso Santiago fosse nosso contemporâneo, certamente iria usufruir de todas as formas e possibilidades que levam o peregrino em estado de peregrinação, a passar dos pés, à bicicleta, ao cavalo, e até mesmo as charretes que ao longo dos caminhos cruzam com os caminhantes solitários ou em grupo, compartindo cenário, beleza e as bolhinhas que aparecem de vez em quando no dorso dos pés.

Caminhar... Caminhar... Caminhar... Ou seja, seguir um dos muitos caminhos que levam a um objetivo final único, que é chegar a Santiago de Compostela após andar no mínimo 100 kilometros durante alguns dias; entrar na catedral gótica monumental; assistir a missa dos peregrinos pontualmente ao meio-dia e receber o título da “Compostela”, com pompas de uma longa fila e atendentes que perguntam um montão de coisas até conceder o papel com o nome pessoal escrito em latim, pode significar muitas coisas, como: entrar em sintonia com a energia pura da natureza!






Sentir o cheiro de mato com incríveis tonalidades de um verde que até parece irreal aos nossos olhos; ouvir o galo cantar; chacoalhar em charco, na lama dos arroios que são muitos...; é sentir um pingo de chuva na cabeça que logo se transforma numa “tremenda tormenta” como alguém bem definiu as tempestades que costumam cair na Galícia.






E muitas vezes nos deixam completamente encharcados até a alma! Por isso é comum se encontrar estranhas formas nos caminhos, pois com a capa de chuva protegendo a mochila, o caminhante pode ser até mesmo confundido com o famoso e conhecido Corcunda de Notredame, o Quasemodo... 
No caminho pode-se desfrutar de uma deliciosa gastronomia local, com sabores para todos os gostos; mas o comum para muita gente é a trilogia sagrada composta de pão, vinho e os queijos artesanais, que em cada localidade tem sabor distinto. E frutas como laranja e banana são sempre bem vindas. 


Mas o que não pode faltar nunca na mochila é uma garrafinha de água que alivia o calor e a secura na garganta, sobretudo nas subidas, quando dependendo do nível de dificuldade, muitos caminhantes se ressentem.  


Além dos albergues, públicos ou privados, o peregrino conta também com uma rede de hotéis, pousadas e pensões, e até outros serviços, como enviar a mochila de taxi ou bicicleta para o local em que for pousar seu corpo cansado da caminhada, ao final de um longo dia que pode começar desde as 5:30 h da madrugada, para os mais corajosos.
  


Mas o que fica ao final de todo esse esforço é uma idéia incrível de conexão! E a certeza de que se usufruiu de uma etapa crucial para o resto da vida. Assim é caminhar! É se deparar frente ao sagrado, pois o caminho sutilmente pode conduzir a crentes, não crentes, agnósticos, ateus, os com fé exacerbada etc. etc., a todas as formas de meditação e contemplação mediante o canal natural expandido de acordo com a consciência do caminhante e suas buscas pessoais.




Posso afirmar que foi marcante nessa caminhada, um sentimento profundo de incrível solidariedade humana...; além do que se pode considerar imensa força de vontade, a exemplo de uma senhora francesa com 75 anos, que sozinha fazia sua quinta peregrinação, e segundo explicou, a última imersão no caminho. Mas o caminho segue e seguirá..., sempre haverá adeptos e mais adeptos dispostos a investir na caminhada lúdica para alguns e de fé para outros.


E agora só resta lembrar que na floresta silenciosa, apenas rompido o  silencio, com o som dos nossos passos, sempre haverá a possibilidade de se encontrar atrás de um velho tronco de árvore, à nossa espreita, uma Meiguinha (bruxinha da Galícia) a nos observar e até seguir, sorrindo muito e protegendo de todos os perigos da floresta secular. E assim com a permissão e bendição desses pequenos e ocultos seres invisíveis da natureza plena, termino esse pequeno texto escrito com o coração repleto de alegria de ter vivenciado dias em companhia de pessoas com almas sensíveis e engrandecidas por uma áurea de fraternidade e amor universal.
Salamanca, 29 de abril de 2011.
Reginam Claram de Aguiar